Polícia Civil do Estado do Acre

Gerenciamento da Investigação Criminal

Autor: Roberth José de Souza Alencar

O gerenciamento da investigação criminal pelo delegado de polícia com enfoque em ações estratégicas

A investigação criminal sempre exerceu uma função primordial na persecução penal brasileira, apesar de historicamente não exercer um papel de protagonismo. 

Com o advento da Constituição Federal de 1988 e, todo o processo de consolidação do estado democrático de direito, a investigação acabou alcançando no processo penal o nível de essencialidade que lhe cabia. 

Doutrinariamente há diversos conceitos de investigação criminal, entre os quais ressaltamos:  

“A investigação criminal é pesquisa científica orientada a estabelecer a máxima aproximação possível da verdade, embora epistemicamente limitada e eticamente condicionada: limitada epistemicamente porque é impossível a ciência fornecer conhecimentos absolutos acerca dos fatos que investiga; e condicionada eticamente porque está submetida a certos antecedentes sócio-culturais”. (PEREIRA, 2019, p.110) 

Ocorre, que apesar de atingir um patamar de grande relevância, na prática, a investigação ainda padece de grande efetividade na realidade social e criminal brasileira, principalmente quando compreendida como “mola mestra” da persecução penal.

O avanço na instrumentalização da investigação criminal continua sendo condicionado as regras e disposições legais, via de regra, direcionadas ao formalismo processual totalmente engessado, e, desconexos com outros campos científicos que possibilitam a aplicação de métodos orientados por princípios e técnicas mais eficazes.

A interação da investigação criminal com outros ramos científicos é um processo urgente que precisa serexplorado e devidamente aplicado. Não é mais aceitável tratarmos a fase inicial da persecução penal em um campo empírico onde se convive com erros sucessivos de forma natural.

Nesse contexto destacamos a primordial necessidade de atuação dos delegados de polícia com enfoque na gestão da investigação criminal através da aplicação de ferramentas e modelos de ações estratégicas, afastando-se de um raciocínio estritamente formalista.

Antes de tratarmos sobre o que são modelos de ações estratégicas e quais ferramentas podem ser aplicadas na investigação criminal, é importante destacarmos o que é estratégia.

Segundo CABRAL (1998), por sua abrangência, o conceito de estratégia apresenta um paradoxo, pois exige a integração de uma série de teorias e enfoques, o que impede o completo registro de seus conceitos e abordagens. Dependendo do contexto no qual é empregada, a estratégia pode ter o significado de políticas, objetivos, táticas, metas, programas, entre outros, numa tentativa de exprimir os conceitos necessários para defini-la (MINTZBERG e QUINN, 1991).

MICHEL (1990) define estratégia como “a decisão sobre quais recursos devem ser adquiridos e usados para que se possam tirar proveito das oportunidades e minimizar fatores que ameaçam a consecução dos resultados desejados”.

Através da análise objetiva do conceito de estratégia verificamos a importância de sua utilização na investigação criminal. Se de um lado convivemos com uma visível dificuldade de aplicação de parâmetros metodológicos na fase inicial da persecução penal, do outro a aplicação gerencial de um modelo de ação estratégica é o primeiro passo para preencher lacunas na aplicação da justiça penal.

Segundo o colega e professor Adriano Mendes Barbosa (2014), exige-se para se ter uma ação investigativa exitosa uma abordagem planejada, de dimensões gerenciais, com emprego de táticas e meios hábeis a bem orientar o esforço investigativo criminal para alcançar os objetivos relacionados com o fim mor da investigação em curso.

Mais quais modelos de gestão estratégica podemos utilizar na investigação criminal? 

Os modelos de gestão são conjuntos de princípios que orientam a forma como informações, responsabilidades e lideranças devem ser distribuídos.

Existem múltiplos modelos de gestão estratégica que, via de regra, não se excluem. Entre os principais encontramos os modelos de gestão democrática, por resultados, por processos e participativo. Através de regras gerais foram criados diversos modelos específicos determinados de acordos com parâmetros predefinidos, entre os quais destacamos o de Lewi, ADKAR, PDCA e Lykke.

De forma paralela, além da gestão estratégica, é necessário também realizar o planejamento das ações, o qual somente pode ser executado com o uso des ferramentas bases de gestão.

Algumas dessas ferramentas já são amplamente utilizadas na investigação criminal como método de priorização e aprimoramento das ações, entre outra, citamos a matriz SWOT, a matriz GUT, a 5W2H e o ciclo PDCA.

No eixo central da aplicação de uma abordagem gerencial com enfoque em ações estratégicas nas investigações criminais modernas surge a figura do delegado de polícia.

Um projeto de apuração da infração penal deve ser produzido tecnicamente pelo detentor legal da função de “gerente” da investigação criminal, conforme estipula a legislação constitucional, reafirmada pela lei 12.830/2013. 

Cabe aos delegados de polícia ultrapassar a esfera dos seus conhecimentos jurídicos, atrelando conceitos de outros ramos da ciência, em especial de modelos e ferramentas de ações estratégicas, para locupletar objetivos concretos e eficientes na fase inicial da persecução penal.  

Estamos acostumados a observar estatísticas cada vez mais avassaladoras sobre a decadência da segurança pública, a ineficácia das leis, a influência das drogas e tantos outros fatores que interferem direta e indiretamente na violência. Baseado nas disposições estatísticas, quadro comparativos e demais estudos realizados sobre a criminalidade, as investigações criminais dever ser procedidas com um rigor técnico diferenciado.

Sem uma reviravolta no caráter metodológico da investigação criminal, o sistema jurídico penal ainda continuará fadado ao fracasso prático.

E nesse contexto que inserimos a importância de um olhar diferenciado na condução das investigações criminais pelos delegados de polícia. Cada vez mais focado nos conceitos e princípios do gerenciamento estratégico com o uso massivo dos modelos e ferramentas de gestão.

Sem o olhar estratégico a investigação criminal continuará convivendo no limite do empirismo, e, consequentemente, a persecução penal não alcançará seus objetivos, alimentando-se a violência e a frustração da impunidade.   

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Adriano Mendes. Curso de Investigação Criminal, Porto Alegre: Núria Fabris, 2014.

BARBOSA. Adriano Mendes. Gestão Estratégica da Investigação Criminal. 2014. Disponível< https://www.academia.edu/40106714/Gest%C3%A3o_Estrat%C3%A9gica_da_Investiga%C3%A7%C3%A3o_Criminal>. Acesso em: 17/10/2022.

CABRAL, A. C. A. A evolução da estratégia: em busca de um enfoque realista. In: XXII ENANPAD, 22º, Anais., Foz do Iguaçu: ANPAD, set. 1998. 

CHIAVENATO, Idalberto. Teoria Geral da Administração. Volume I, Rio de Janeiro: Elsevier Editora, 2001.

GOMES, Luiz Flávio e SCLIAR, Fábio. Investigação Preliminar, Polícia Judiciária e Autonomia. Disponível em: <Investigação preliminar, polícia judiciária e autonomia – Luiz Flávio Gomes e Fábio Scliar | Jusbrasil >, Acesso em: 15/10/2022.

MAXIMIANO, Antônio Cesar Amaru. Introdução à Administração – Ed. Compacta. 1. ed. – 5 reimpr. – São Paulo: Atlas, 2010.

MENESES, Romero. Manual de Planejamento e Gestão da Investigação Policial. Olinda: Livro Rápido, 2012.

MICHEL, K. Esboço de um programa de desenvolvimento administrativo intrafirma para a administração estratégica. In: ANSOFF, H.; DeCLERCK, R.; HAYES, R. (org.). Do planejamento estratégico à administração estratégica. São Paulo: Atlas, 1990.

MINTZBERG, H.; QUINN, J.B. The strategy process: concepts, contexts and cases. 2.ed. Englewood Cliffs: Prentice-Hall International, Inc., 1991.

RUMELT, Richard. Estratégia Boa, Estratégia Ruim, Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2011.

WRIGHT, Peter, KROLL, Mark, PARNELL, John. Administração Estratégica: Conceitos, São Paulo: Editora Atlas, 2000.